A verdadeira Beleza

Já que durante a minha passagem pela Casa da Criança fui eu o responsável pelo conto na hora de ir dormir, aqui vai mais um. Diz uma história da minha infância que: Um jovem estava no centro da cidade, proclamando ter o coração mais belo da região. Todos o admiravam, não tinha nenhuma marca nem qualquer defeito. De repente, um velho apareceu diante da multidão e disse: - Por que é que o meu coração não é tão bonito como o desse jovem? A multidão e o jovem olharam para o coração do velho, que batia com vigor, mas tinha muitas cicatrizes, pedaços que tinham sido removidos e substituídos por outros que não correspondiam perfeitamente e imensas irregularidades e acharam que o velho só podia estar a brincar ao comparar o seu coração com o do jovem, perfeito e imaculado. Então o velho explicou: ͞De facto não tenho o coração perfeito, mas também não o trocaria
por nenhum outro porque cada cicatriz representa uma pessoa a que dei o meu amor. Tirei um bocadinho do meu coração e dei a cada uma dessas pessoas. Muitas delas deram-me também um pedaço do seu próprio coração para que eu colocasse no meu, e claro, como os pedaços não são exatamente iguais, há irregularidades. Mas eu estimo-as, porque me fazem lembrar do amor que partilhamos. Entendes agora o que é a verdadeira beleza? Nem sempre compreendi bem esta história, mas agora sinto que entendo bastante melhor o que é a verdadeira beleza. Entrar numa casa nova e sentir-se logo como na nossa própria casa não acontece muitas vezes; passar 2 semanas numa casa e chegar ao fim com o sentimento de conhecer cada um dos seus habitantes: os nomes e as caras e muito mais do que isso, o que gostam, o que é que lhes diverte, o que sentem falta, o que lhes dá medo, etc é algo ainda menos comum. Eu que estou num caminho de vocação Marista sinto que esta experiência me ensinou muito mais do que muitos documentos, foi uma verdadeira lição de ternura, de aprender a deixar-me levar sem muitos planos, a receber e dar muitos muitos abraços, a redescobrir a magia de uma cabana de mantas e almofadas, sentir que ninguém me exige nada e a única coisa que aquelas crianças pedem é estar, entrar e estar em casa, ser mais um, brincar, jogar, saltar, rebolar, ver, ouvir, abraçar, sentir, perguntar, crescer como mais um, pois só assim nos podemos sentir em casa e em família, que é tudo o que qualquer um de nós precisa, e estas crianças, claro, também. Sinto também que deixei bastantes pedacinhos do meu coração naquela casa e trago outros tantos comigo, e por tudo isto só me resta deixar um enorme OBRIGADO! Se durante a leitura do texto acharam que sinto demasiado, não se preocupem, é outra das coisas que aprendemos com as crianças.

José Luís Carvalho, Testemunho voluntariado na Casa da Criança de Tires